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ABEP Entrevista: Laura Wong e o tempo das populações

31/07/2025

Notícias

Por: José de Paiva Rebouças (Jornalista, doutorando do PPgDem/UFRN) - Membro da Comissão de Divulgação Científica da ABEP

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Professora Laura Wong durante o 30th International Population Conference (IPC2025)

 

A demógrafa Laura Lídia Rodríguez Wong, professora titular do Cedeplar/UFMG, acaba de ser eleita presidente da International Union for the Scientific Study of Population (IUSSP), entidade global de referência nos estudos populacionais. Em razão dessa eleição, concedeu entrevista à Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), e compartilhou reflexões sobre sua trajetória acadêmica, os desafios da área e as transformações que moldam o futuro da demografia. Com base em décadas de pesquisa sobre fecundidade, mortalidade materna, envelhecimento populacional e avaliação de dados, ela oferece uma leitura crítica e aprofundada do cenário populacional latino-americano e global.

Nascida no Peru, Laura Wong iniciou sua trajetória no Instituto Nacional de Estatísticas, onde atuou em censos nacionais ainda antes de concluir a graduação em Sociologia. Depois, realizou mestrado no Centro Latino-Americano de Demografia (CELADE), ligado às Nações Unidas, e concluiu o doutorado em demografia médica na London School of Hygiene & Tropical Medicine. Radicada no Brasil, tornou-se professora titular do Cedeplar/UFMG e assumiu papéis de liderança na Associação Latino-Americana de População (ALAP) e na ABEP. Sua trajetória combina formação internacional, atuação institucional e compromisso com os grandes temas da demografia contemporânea. Segue a entrevista.

ABEP – Sua formação inicial em Sociologia e a posterior especialização em Demografia revelam um percurso acadêmico diversificado. Como essa base multidisciplinar influenciou sua perspectiva e abordagem nos estudos demográficos ao longo de sua carreira?

Laura Wong – Antes da graduação, já tive a oportunidade de fazer um estágio no Instituto Nacional de Estatísticas do Peru, no início dos anos 70; o estágio foi para me treinar em censos nacionais. Como sabe, Censo era a fonte de dados, por excelência, que os demógrafos latino-americanos tinham nessa época (faz 50 anos!) e ainda continuam sendo, em países que não têm estatísticas contínuas, como é agora o caso do Brasil. 

Esse estágio realmente abriu-me as portas da Demografia, pois podia ver diretamente a realidade demográfica a partir de cada questionário, de cada registro individual, dentro do grande conjunto que é um país. Graças a esse treinamento, tive oportunidade de estudar Demografia no Centro Latino Americano de Demografia, uma divisão das Nações Unidas. Acho que esse foi o início de todo o trabalho que, depois, tive a sorte de desenvolver.

ABEP – A senhora teve papéis de liderança importantes tanto na Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP) quanto na Associação Latino-Americana de População (ALAP). Quais foram os maiores desafios e as principais conquistas na gestão dessas organizações?

Laura Wong – Meu primeiro desafio, no sentido de promover a Demografia como ciência aplicada ao desenvolvimento da Sociedade, foi ser a Secretária Geral da ABEP, no início dos anos 90. Ser Daniel Hogan, meu colega de diretoria, cidadão norte-americano, e eu, peruana, poderia ser algo inusitado numa diretoria, tendo o país tantos brasileiros; foi algo que, na época, eu não percebi, e penso que, também, nem a maioria dos Abepianos.

Mas foi uma grande demógrafa, a Dra. Carmen Miró, quem notou este detalhe e celebrou que a ABEP não fizesse distinção de nacionalidade ou qualquer outra discriminação para compor uma diretoria que a dirigisse. Segundo palavras dela, com isso, ABEP deu uma amostra da independência científica que a caracterizava, o que me fez sentir a responsabilidade do cargo: promover o conhecimento científico sem vieses de qualquer natureza.

O “Trânsito” que eu tinha entre colegas latino-americanos, devido ao meu mestrado no Centro Latino Americano de Demografia, devido também ao papel do CEDEPLAR no continente, e, depois do “treino” tido com a ABEP, me foi dada a oportunidade de presidir a associação latino-americana, a ALAP. O desafio foi maior porque a ABEP tinha uma infraestrutura e suporte material sólidos, algo que ALAP tinha em muita menor escala, e a necessidade de conseguir recursos era maior.

De todas maneiras, com meus colegas de chapa, conseguimos ajudar na consolidação da ALAP, que, naquele momento, completava 10 anos. Com a colaboração da Universidade Católica do Peru e o colega Carlos Aramburú, na época diretor da Faculdade de Ciências Sociais da PUC, foi possível fazer o que, penso, foi um belo congresso na cidade de Lima.

ABEP – Ao longo de sua carreira, a senhora se dedicou a temas cruciais como a avaliação de dados, fecundidade, mortalidade materna e envelhecimento populacional. Quais desses temas considera mais urgentes e desafiadores para a Demografia contemporânea, especialmente no contexto da América Latina?

Laura Wong – Os temas aos quais dedico muito do meu tempo como pesquisadora, têm uma forte interrelação: a necessidade de saber, com a maior precisão possível, o que acontecia com a fecundidade, levou-me à necessidade de avaliar os dados básicos (censos e estatísticas vitais). O estudo da fecundidade levou-me, por um lado, aos outros aspectos da saúde reprodutiva, como a mortalidade materna, a contracepção e similares. 

Por outro lado, estudar a fecundidade permitiu-me navegar pela “futurologia”, uma vez que quem nasce, certamente, viverá por algumas (muitas) décadas; isto fez dedicar-me, também, ao processo de envelhecimento operado na estrutura populacional.

Os temas que tomam minha atenção, na verdade, estão involucrados nesse processo: “o envelhecimento populacional”.

No contexto latino-americano, penso que o desafio maior é a administração das consequências desse rápido processo de envelhecimento populacional – não me refiro ao envelhecimento das pessoas, mas ao fenômeno populacional: o envelhecimento da estrutura populacional.

O desafio dos demógrafos, no continente, é produzir a evidência dos desafios que esse envelhecimento provoca: mudanças na equação intergeracional, nos seus múltiplos aspectos (micro, meso e macro): reorganização familiar, movimentos migratórios, produtividade da força do trabalho, previdência social, sistema de saúde etc.

ABEP – Ao assumir a presidência da Union for the Scientific Study of Population (IUSSP), como a senhora conecta essa nova atuação global às suas experiências e pesquisas anteriores, e que desafios e fronteiras de pesquisa vislumbra para a Demografia nas próximas décadas, diante das rápidas transformações sociais e tecnológicas? Há áreas que, em sua avaliação, demandam mais atenção e investimento?

 

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Laura Wong, ao centro, ao lado de parte da delegação brasileira presente no 30th International Population Conference (IPC2025)

 

Laura Wong – É muita responsabilidade responder a estas perguntas, mas vamos lá. O mais importante evento demográfico da era moderna é o rápido envelhecimento populacional – que aconteceu de forma que muitos dos demógrafos mais experientes do mundo, não conseguiram prever – do qual, os países denominados “tigres asiáticos” foram os pioneiros, está presente, não apenas no Brasil, ou na América Latina, mas na grande maioria de países, com importantes exceções na África, claro.

Dito isto, penso que, no âmbito mundial, esse é o maior dos desafios: informar aos tomadores de decisões, de forma clara e sem vieses, das evidências que temos sobre esse processo, as transformações provocadas (já mencionadas acima) e as consequências que a sociedade terá que aturar, dependendo da administração dessas mudanças.

Ainda relacionado ao envelhecimento, menciono, pelo menos, três desafios, que penso, devermos enfrentar: a queda acentuada da fecundidade, que é o fenômeno que inicia o envelhecimento populacional e que veio para ficar): 

  • a queda dos nascimentos é um dos pesadelos dos países desenvolvidos (Veja o caso de Japão, Itália e similares), e já é tema “alarmante” em alguns países em desenvolvimento. A intervenção, a qualquer custo, para alterar essa tendência, coloca um outro importante desafio: a ameaça aos direitos reprodutivos (lembre os Estados Unidos, com o banimento do aborto e as propostas de limitações para subministro de anticoncepcionais).
  • Outro desafio do envelhecimento populacional é a acentuada diminuição da população em idade de trabalhar, de países desenvolvidos, o que facilita o fluxo migratório, vindo de países em desenvolvimento, onde a mão de obra é relativamente volumosa, e se converte em motivo de conflitos socias nos lugares de destino.
  • O aumento da longevidade, graças aos avanços tecno médicos que, ao prolongar os ciclos de vida, aumentam as demandas da população idosa, motivam novos arranjos familiares e mudanças nas relações intergeracionais.

Somado ao processo de envelhecimento, é preciso citar mais outros desafios: um muito importante problema que o mundo enfrenta, e que compete aos demógrafos documentar com fatos, as consequências na população, são as mudanças climáticas. Elas alteram a dinâmica demográfica da população afetada por estas mudanças: provoca, em primeiro lugar, deslocamentos forçados, frequentemente das populações mais vulneráveis; altera os padrões epidemiológicos e, com isso, a mortalidade; afeta, certamente, os padrões reprodutivos e tudo aquilo relativo à saúde sexual e reprodutiva (inclusive os direitos); provoca conflitos sociais que, por sua vez, incidem em mais mudanças na dinâmica demográfica… (Como pode ver, as mudanças climáticas, provocam uma espiral de mudanças demográficas, cujos desafios não podemos desprezar).

Um outro desafio que se apresenta aos demógrafos, refere-se ao uso de dados. 

  1. A produção e uso de dados: cerceados por condições políticas e que afetam a produção científica; mais especificamente.
  • Censos: Na América Latina, os censos mais recentes (2020s) enfrentaram dificuldades, além daquelas causadas pela pandemia do Covid-19. Um bom número lutou contra a contaminação ideológica e alguns, nem sequer, podem ser chamados de “censos”, devido à muito baixa cobertura. (Como disse Suzana Cavenagui, são os “censos possíveis"). Os pesquisadores terão que conviver com essa deficiência e manter a vigilância para obter censos de melhor qualidade, na próxima rodada dos 2030s.
  • Pesquisas especializadas: Aspecto de importância mundial, é o atual corte de recursos e até o sequestro de dados de pesquisas do tipo DHS (pesquisas demográficas e de saúde que, desde há décadas, são a principal forte de dados dos países que mais sofrem da falta de dados), devido à instabilidade mental de atuais poderosos governantes.
  1. Automação de dados: Por último, e não menos importante, considere como desafio à ciência, como um todo, não apenas aos estudos de população, o uso e a interpretação científica dos denominados “big-data”, e instrumentos como o “machine learning”, e claro, o uso da inteligência artificial, que, neste momento, revela-se como a grande incógnita em relação aos aspectos éticos e científicos que toda pesquisa deve ter.

ABEP – Para os jovens pesquisadores que estão iniciando suas carreiras na Demografia, quais conselhos essenciais a senhora daria, tanto em termos de formação acadêmica quanto de postura profissional e escolha de temas de estudo?

Laura Wong – Aos jovens pesquisadores que escolheram a demografia como área de desenvolvimento profissional, meu primeiro conselho é que gostem dela! Logo, que se empenhem, primeiro e acima de tudo, em entender a lógica da estreita interação entre a tríade fecundidade/mortalidade/migração e uma dada estrutura populacional. 

Somente após domínio desse entendimento, poderá “voar alto” e tratar de áreas e temas tão distintos como: saúde, economia, educação, infância, saúde reprodutiva, disparidade de gênero, meio ambiente, minorias étnicas, conflitos sociais, inclusividade, velhice, desenvolvimento sustentável, política social etc.

 

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